Os mesmo donos do restaurante Quintal das Letras, em Paraty, possuem também a Pousada Literária e a Livraria das Marés, na mesma cidade e na mesma rua. Em um pedaço de Brasil tão poético como Paraty, associar o seu empreendimento à literatura parece ser uma escolha das mais acertadas. Em mais uma visita que fizemos à cidade, decidimos conhecer esse restaurante, que além do belo nome tinha também boas referências em guias e na internet.
Chris adicionando um verso à poesia de Paraty |
Como não poderia deixar de ser - em se tratando de Paraty - o restaurante fica instalado em um casarão histórico. Deixar as três portas bem abertas é uma decisão inteligente dos proprietários, já que seria um desperdício um restaurante todo fechado em uma cidade tão charmosa. Nos instalamos bem pertinho da saída, para não perdermos a privilegiada visão das ruas de pedra. O restaurante aproveita bem o seu espaço, que não é tão grande, fazendo uso de um mezanino e de um pequeno corredor lateral - que só agora descobri que é ao ar livre. Desse modo as mesas não precisam ficar tão próximas umas das outras. Os tons de marrom predominam, já que a decoração é quase toda em madeira. O ambiente, se não chega a ser informal, também não tem nada de sisudo.
Para mim, a visão da Chris e de Paraty... |
...para a Chris, a visão de mim e do restaurante. Me dei melhor! |
Como um chamego é sempre bem vindo, ficamos felizes com o pequeno copo de gaspacho que cada um de nós recebeu de brinde enquanto ainda escolhíamos nossa entrada. Para quem não sabe, é uma sopa fria, normalmente feita de tomate. Pouco depois de nossa chegada entreouvi um cliente reclamando ao garçom da falta de sal no prato que ele havia comido. Não consegui descobrir qual era esse prato, mas a julgar pelo gaspacho a reclamação parecia improcedente. Estava bem temperado, até com alguma picância. Chris não gostou tanto, mas foi mais por causa da consistência da sopa fria.
Chameguinho bem-vindo |
Não chega ao número de títulos brasileiros do Palmeiras (cinco, tá?) as vezes em que aceitamos o couvert em algum restaurante. Mas o deste aqui era irresistível. Confira: pães variados, pannacotta de palmito pupunha com cubinhos de tomate e alho negro, pastinha de cream cheese com jabuticaba e manteiga com flor de sal (R$ 28 para duas pessoas). Isso porque, na descrição do cardápio, não consta a telha de pão de queijo, que é como se fosse um pão de queijo na forma de uma torrada bem fina. Uma delícia, e muito prático para abdicar da faca e usá-lo para se servir. A pannacotta estava com uma textura agradável e bom tempero, suavizado pela presença do alho negro e do tomate, que dão uma adocicada no sabor. Nenhum de nós curtiu muito a manteiga com flor de sal, que acaba sendo tão somente uma manteiga bem salgada. Já o cream cheese de jabuticaba tinha um grande defeito de vir em pouquíssima quantidade. Ou seja: sobrou manteiga e faltou cream cheese em nossa experiência. Mas os pães eram gostosos e a apresentação, belíssima.
Fotos oblíquas denotam o talento do fotógrafo |
Apesar de já termos comido o couvert, claro que não poderíamos abdicar de mais uma entradinha. Entre algumas opções interessantes - como a barriga de porco pururuca servida com caramelho de shoyu e laranja, farofa da Graúna e chantily de feijão (R$ 28) - acabamos escolhendo o crab cake Vale do Paraíba (bolinho de siri com arroz negro, coulis de açaí e degustação de pimentas, R$ 29). O que nos atraiu foi o bolo feito com carne de siri e arroz negro e, claro, a inusitada degustação de pimentas. São elas, por ordem de picância: biquinho, bodinho e cumari. A idéia é experimentar o bolinho junto com as pimentas, seguindo o grau de ardência. A idéia é muito boa, e o resultado é interessante, mas não pudemos deixar de notar que, sem as pimentas, o bolinho carecia de um pouco mais de tempero. Também fiquei curioso para experimentar o coulis de açaí, mas ele parecia uma sujeira no prato, e não algo para ser experimentado. Com consistência muito firme, e pouca quantidade, ele grudou na louça, e não conseguimos sentir seu sabor. Uma pena. No fim das contas gostamos mais da criatividade do que propriamente dos sabores da entrada.
Muita poesia e pouca prosa |
Há duas seções no cardápio de pratos principais: "do mar para mesa" e "do campo para mesa". A primeira tem duas páginas, a segunda apenas uma. Nada mais justo em uma cidade litorânea. Os pratos são todos individuais, e poucos ficam abaixo dos R$ 70. Pratos com camarões são os mais caros, chegando perto dos R$ 100, enquanto o nhoque de batata baroa é listado por R$ 62. Talvez o cardápio pudesse ser mais criativo nos nomes das criações, usando de referências literárias para fazer jus ao nome do lugar. Mas há títulos curiosos, como "risoto de polvo malandrinho" (que eu quaaase pedi) e "bacalhau pensado na cama".
Por falar em nomes curiosos, Chris escolheu o peixe Maria Panela (peixe assado com ervas, cebolas, azeite e vinho branco, com batatas crocantes, alho negro, alecrim e flor de sal, R$ 88). O peixe que veio à mesa foi o robalete, que, como se pode supor, é uma versão menor do robalo. Apresentação bonita, com o peixe recheado, servido quase inteiro, sem cabeça (e supostamente sem espinhas) com as batatas ao lado. Como os parênteses ao lado entregam, a Chris encontrou uma malfadada espinha no peixe, o que é sempre reprovável. Outra coisa que ela reprovou foram os alecrins servidos frescos e inteiros, que ela inadvertidamente confundiu com espinhas em alguns momentos. Quanto ao sabor, a princípio ela até gostou, mas achou enjoativo com o tempo, com sabor de vinho muito intenso. Outro problema foi que, quando provado sozinho, o peixe estava sem sal - provavelmente foi esse o prato que o outro cliente pediu e encontrou o mesmo defeito. Mas se salvaram as batatas, que ela gostou bastante.
Assim assim... |
De minha parte escolhi o mexidinho do mar (camarões, lulas e polvo com risoto de arroz negro, cubinhos de tomate e de palmito pupunha, R$ 96). A apresentação não tem muita sofisticação, como já indica o nome do prato. Achei que o molho tinha sabor forte demais, complicado de se comer em separado. Mas em conjunto com o arroz negro ficava mais harmonioso. A consistência do polvo e dos camarões estava perfeita, mas achei a lula um pouco borrachuda, além de cortada em pedaços irregulares, alguns muito grandes. Trata-se de um prato intenso, para fortes, o que talvez não fosse meu caso nessa noite.
Ai, quanta intensidade... |
Para a sobremesa a Chris deixou a escolha em minhas mãos, e eu estava bem propenso a pedir o pot-pourri Frederic de Maeyer (torta de cupuaçu com aipim e coco, tarte tartin com especiarias e pannacotta de iogurte e chocolate branco, compota de banana e maracujá, R$ 34). Parecia um bom apanhado do que o chef Frederic (que comanda o restaurante Eça, no Rio de Janeiro) é capaz de fazer em termos de sobremesas. Mas, por conta de nossa refeição ter sido bem farta, com couvert, entrada e prato principal, achei que o pot-pourri seria demais para nós, e acabei escolhendo o trio de crème brûlée (chocolate, fava Tonka e frutas vermelhas, R$ 29). Apresentação simples mas bonita. O crème brûlée tem aquele açúcar queimado por cima, mas achamos que os de chocolate e de fava Tonka estavam com o açúcar queimado demais. Chris achou o sabor do de chocolate muito parecido com o do pudim que ela compra no supermercado. Ambos gostamos mais da opção com frutas vermelhas, que estava mais gostosa e equilibrada, com o açúcar menos queimado. Outro ponto positivo, dos três, é que o açúcar não estava muito duro, e era fácil de cortar, ao contrário do que já nos aconteceu até mesmo no Olympe, no Rio de Janeiro.
Um trio de três para uma dupla de dois |
Começamos nossa refeição com uma cerveja de Paraty, a Caborê Pilsen (R$ 19). Já conhecíamos a cerveja de nossas outras visitas à Paraty, e não tínhamos gostado muito, mas resolvemos dar mais uma chance. Mas ela continua um pouco insossa. Terminamos nossa refeição com água, que essa não tem erro.
Os garçons se mostraram muito atenciosos, e conhecedores do cardápio. Aquele que nos atendeu recitava de cor os ingredientes dos pratos, sem precisar "colar", e demonstrava entusiasmo ao falar das opções da casa. Ao final ele perguntou o que tínhamos achado da refeição e Chris fez a mesma reclamação do outro cliente sobre a falta de sal. Sua resposta foi a mesma: "é que nosso chef não gosta de carregar muito no sal". Bem, na mesma noite o chef recebeu duas reclamações iguais, então talvez seja o caso de rever os preceitos. Senão, de que serve perguntar aos clientes o que acharam? Também sentimos uma pequena demora para a entrega dos pratos principais, mas nada que chegasse a incomodar muito. Para finalizar as queixas, bem que poderiam ter nos avisado que o corredor lateral é ao ar livre, já que do lado de dentro não dá para perceber esse diferencial da casa.
Começamos a refeição muito bem impressionados com o gaspacho de cortesia, com o couvert extremamente bem apresentado e com a entrada criativa. Também ficamos felizes com o atendimento atencioso, bem instruído e dedicado. Mas os pratos principais nos decepcionaram um pouco. Acho que foi por conta disso que chegamos à conclusão que não voltaríamos ao Quintal das Letras. Em nossas futuras visitas à Paraty - e elas acontecerão, porque amamos a cidade - daremos oportunidades a outros restaurantes. Mas, quem sabe um dia, quando estivermos visitando a Livraria das Marés, do mesmo dono, poderemos sentir o cheiro da comida ao lado e nos animarmos a voltar. Afinal, como diria Nietzsche, de quem a Chris não gosta mas com quem há de concordar, "não há fatos eternos como não há verdades absolutas".
AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):
Ambiente(2): 7 e 8
Serviço(2): 8 e 8,5
Couvert(2): 7 e 8,5
Entrada(2): 7 e 7,5
Prato principal(3): 6 e 6,5
Sobremesa(2): 6,5 e 6,5
Custo-benefício(1): 5 e 7
Média: 6,42 e 7,46
Voltaria?: Não e não
Serviço:
Rua do Comércio, 58 - Centro Histórico - Paraty - Rio de Janeiro
Telefone: (24) 3371-2616
Site: http://www.pousadaliteraria.com.br/gastronomia/quintal-das-letras1.htm
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