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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Cascudo (São Roque - SP) - 23/03/2019


Como se pode ver aí acima, o símbolo do Cascudo é um jabuti. Mas a verdadeira inspiração para o nome é o grande estudioso da cultura brasileira, Câmara Cascudo. A busca, expressa no cardápio e no site do restaurante, é por uma gastronomia artesanal brasileira, por isso a inspiração no escritor potiguar. Se o objetivo foi alcançado é coisa que fica para o resto do texto.

Estávamos hospedados no centro de São Roque, e em cerca de quinze minutos chegamos ao Cascudo, alcançado por uma estrada de asfalto em boas condições, mas um tanto quanto "morta" num sábado à noite. Chegamos a imaginar que o caminho estava errado. Mas, de repente, lá estava ele, a placa na fachada não deixava dúvidas. No entanto, algo estava errado. Silêncio e portão fechado não pareciam condizer com um restaurante num sábado à noite. Eram 19h40. Lá dentro dava pra ver alguma movimentação de funcionários. "Ué, será que tá fechado?". Após alguns instantes por ali, começou a chover. "Dá umas buzinadas", me disse a Chris. Obedeci. Pouco depois surge o simpático manobrista. Sim, a casa abriria somente às 20h, ou seja, dali a vinte minutos. Quem mandou não pesquisar antes? Para nossa sorte o rapaz disse que poderíamos entrar antes da hora, e não havia nenhuma réstia de má vontade em seu convite.

"Boa noite, tudo bem? Xô fala, precisa caprichar mais nas fotos, viu?"

Felizmente há muito para ver no Cascudo antes mesmo de se adentrar o salão de serviço. Uma enorme ante-sala, ou ante-salão, serve de boas vindas, repleta de obras de arte, muitas delas de autoria da proprietária do lugar. Essa parte é bem iluminada, tem sofás e mesinhas, que devem ser muito úteis em dias em que o restaurante está cheio. Logo depois está o salão, este já com meia-luz - confesso que "meia" demais pro meu gosto. Mas é um ambiente também bastante agradável, com algumas esculturas, mesas de vários tamanhos e cadeiras estofadas muito confortáveis. O salão é todo envidraçado, e tal escolha não é à toa: a casa está localizada em um ponto privilegiado, com bela vista para as montanhas da região. Estar ali durante o dia deve ser uma bela experiência. Há uma mesa do lado de fora, sob um gazebo, que deve ser disputada a tapa. Foi ali que a Chris deu suas pitadas entre uma etapa e outra da refeição.

A Chris e aquele bocado de coisas pra ver 
Meia-luz demais pro gosto desse chato aí que escreve. Hmpf...

"Puta que pariu, cadê essa mulher?"

Disputada à tapa de dia, mas de noite é só da Chris

O cardápio é repleto de explanações poéticas sobre o conceito e a proposta da casa, além de explicar sobre técnicas de cozimento usadas (como a brasa de lenha no buraco). Todos os pratos tem nomes de artistas, pensadores e personalidades brasileiras (exceto as sobremesas e as opções do menu "Sugestão Sabor Brasil", que veio separado do cardápio principal). Apenas faço uma pequena crítica ao fato de a propalada ideia de uma cozinha artesanal brasileira não se refletir tanto nos ingredientes e pratos. Acabei de reler todo o cardápio e, de maneira geral, não há uma brasilidade escancarada, a não ser alguns elementos aqui e ali. Mas a variedade é grande, entre carnes, peixes, aves e massas, além de pratos infantis.

Escolhemos como entrada a salada de alcachofra com bacalhau (R$ 34), que não tem nome de artista porque estava no cardápio separado. Escolhemos esse prato porque a alcachofra é bastante cultivada na região de São Roque, e queríamos comer algo com ela. Ficamos com medo do bacalhau engolir a alcachofra (figurativamente, claro), mas estava bem equilibrado, suave e muito refrescante. Um molhinho pesto que se escondeu pelas fendas do prato poderia vir em mais quantidade. Mas foi bem satisfatório o começo da comilança.

O bacalhau que não engoliu a alcachofra

Chris escolheu para prato principal a Carolina Maria de Jesus (Escritora 1914-1977, escalope de filé mignon com talharim ao molho de tomate, R$ 64 - assim aparecem todas as descrições do cardápio, com o ofício do homenageado e suas datas de nascimento e morte). A carne da Chris só deu uma relada na frigideira e já veio pro prato - ou seja, do jeito que ela pediu e gosta. Tava bem temperada e macia. O talharim estava no ponto certo, mas o molho que o acompanhava poderia ter um pouco mais de força no tempero. Mas não dá pra dizer que a Chris ficou com "Pedaços de Fome"*.  

Não é lindo, mas satisfaz

Minha escolha foi Machado de Assis (Escritor 1839-1908, pernil de cordeiro ao molho de vinho, arroz, brócolis, batata sautê, banana dorê, R$ 86). Esta é uma das quatro opções do menu com a carne feita na técnica da brasa de lenha no buraco - que segundo a descrição é uma prática que se origina do povo Tupi. Se o objetivo era alcançar maciez, nota dez com louvor: a carne estava desmanchando, literalmente. Textura agradável, molho saboroso, mas que deixava a carne brilhar. Em relação aos acompanhamentos, talvez um certo excesso de elementos, mas estava tudo muito bem feito. Até o brócolis, que costuma vir com gosto de água em restaurantes, estava saboroso e firme. Confesso que estava satisfeitíssimo, mas ainda não era hora de pegar "O Caminho da Porta"*.

A partir de agora, carne só na brasa de lenha no buraco. Se vira.

Comemos nossos pratos todinhos, mas ainda havia espaço para os doces. E nada de compartilhar um só, como fazemos normalmente. Estávamos igual ao Joey de "Friends", sem nenhuma vontade de dividir comida. Eram dez opções de sobremesas, mais três no menu à parte.

Chris estava numa pegada meio Eva, e escolheu a Maçã do Pecado (cozida na calda de laranja e vinho do porto, com calda de chocolate, nozes e sorvete de creme, R$ 25). Chris pecou com gosto: adorou desde a primeira colherada. Curtiu a textura da maçã, a perfeita sintonia entre o chocolate, o vinho e as nozes, e o fato de o nível de açúcar estar perfeito. 

Chris comeu a maçã e não foi expulsa do paraíso

Eu escolhi o pequeno bolo de laranja e chocolate branco com calda de chocolate branco e sorvete de limão (R$ 25). Deveria ter escolhido a Cobra do Adão (mentira, não tinha esse prato). Achei monocromático demais, pra começar, depois achei que faltou acidez (me diz, com educação, o que fazer com as três fatias de laranja que vieram no prato?), e por fim achei que a calda que veio no meio do bolinho tava muito mixa. Nada explodiu na boca, e acabei achando bem mais ou menos.

Afinal, o que fazer com as laranjas?

Desde o simpático manobrista, que nos abriu os portões antes da hora, passando pelos garçons atenciosos e chegando ao músico que tocou boas canções (teve até Beatles!), não há o que reclamar do serviço. Em relação ao tempo de espera entre os pratos, foi tudo bem rápido, mesmo o cardápio dizendo que o restaurante adota a filosofia do Slow Food. Não chegou a ser fast food, mas não teve aquela coisa de acabar o assunto do casal e nada de virem os pratos. Claro, é bom dizer que tivemos atendimento VIP, já que chegamos antes de todo mundo. Mas só podemos julgar nossa experiência, e como não pegamos o restaurante cheio, a impressão foi boa.

Apreciamos quem tenta fazer coisas diferentes. Além de tudo que o cardápio descreve em termos de filosofia, o Cascudo também participa de um projeto social que busca, segundo o site, "dar oportunidade para quem não tem", através de oficinas culturais, artísticas, esportivas e profissionalizantes. Ou seja, não ficam só na palavra, partem para a ação. E além de tudo isso, fazem excelente comida. Ao final da refeição recebemos um folheto para colocarmos nossas sugestões. Escrevi que o principal eles já tem, que é uma cozinha muito bem feita, com bom tempero e técnica. Falta um pouco mais de ousadia e de usar ainda mais ingredientes e técnicas brasileiras. Mas mesmo com o que falta, tudo o que sobra nos fez concordar que voltaríamos ao Cascudo para mais uma experiência. 

* "Pedaços de Fome" e "O Caminho da Porta" são nomes de livros de Carolina Maria de Jesus e Machado de Assis, respectivamente.

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 10 e 9
Serviço(2): 9 e 9
Entrada (2): 7 e 7
Prato principal(3): 7 e 8 
Sobremesa(2): 9 e 6,5
Custo-benefício(1): 8,5 e 8
Média: 8,29 e 7,91
Voltaria?: Sim e sim

Serviço:

Estrada Municipal Darcy Penteado, 3301 – Vila Darcy Penteado - São Roque - São Paulo
Telefone: (11) - 4713-5582
Site: https://restaurantecascudo.com.br/
Facebook: https://pt-br.facebook.com/RestauranteCascudo/
Instagram: @restaurantecascudo

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Cigalon (Armação dos Búzios - RJ) - 21/03/2019

Búzios. Brigitte Bardot. Não há como dissociar a primeira da segunda. Embora a própria musa francesa não goste do que a cidade se tornou, com a modernização e sofisticação (ela gostava do caráter "selvagem" da vila de pescadores), há uma estátua em sua homenagem na orla que leva seu nome, e sua miniatura é vendida como souvenir em todas as lojas de artesanato da cidade. Não há mais como fugir. Foi por essa associação que escolhemos jantar no restaurante Cigalon, que está instalado no prédio onde Brigitte se hospedou nos verões da década de 1960 em que esteve na cidade (hoje o local, além de restaurante, funciona como pousada, e é até possível ficar no quarto onde diz-se que ela ficava).

"O Urso e a Boneca"

Com uma entrada bem discreta, a ponto de quase termos passado batido, o Cigalon fica na Rua das Pedras, o ponto mais badalado do balneário, onde todos se encontram a partir do fim da tarde, quando as lojas e restaurantes começam a abrir. É até curioso que a casa não use de maneira mais ostensiva o fato de ter abrigado a atriz. Na parte interna há fotos de Bardot logo na entrada. O ambiente é formal, à meia luz (talvez escuro demais pro meu gosto), salão amplo e uma varandinha com duas mesas, com vista para a Praia da Armação. Quando chegamos a varanda estava ocupada, mas assim que desocupou nos mudamos para lá.

"E Deus...Criou a Mulher"

"O Desprezo"

"O Repouso do Guerreiro"

O cardápio é quadrilíngue: primeiro vem a descrição do prato em francês e logo abaixo em português, espanhol e inglês. Claro que o foco é na culinária francesa, mas há espaço para ingredientes estranhos àquela culinária, como palmito pupunha, abacate e banana-da-terra. Há cinco opções de entradas, e os pratos principais são dividos entre terra e mar, além de opções de massas. Há bastante variação no preço dos pratos individuais, com alguns podendo chegar aos três dígitos.

Para começar fomos de tartare de salmão com molho de abacate (R$ 39). Sabores bem delicados, tanto que parecia um sashimi, com pouca interferência do tempero. Corte bem feito, tudo do mesmo tamanho, apresentação elegante. O molhinho de abacate veio em "pingos", e tinha gosto de abacate puro. Gostamos, mas achamos que um molhinho que trouxesse um algo diferente cairia bem, talvez com alguma picância.  

"Brotinho do Outro Mundo"

Na hora de pedir os pratos principais, usamos um truque que costuma dar certo: pedir sem falar qual prato é de quem. Só assim pra trazerem a carne da Chris mal-passada como ela gosta. Ela escolheu mignon ao molho de gorgonzola com risoto de cogumelos (R$ 76). De fato a carne veio certinha, com dois bifes mal-passados (tá, um deles passou um cadinho). Molho gorgonzola bem equilibrado, risoto com arroz no ponto certo e bom sabor de cogumelos, e conjunto bastante harmonioso. Ela se divertiu bem.

"Vingança de Mulher"

Eu escolhi peito de pato no próprio molho, purê de banana-da-terra e abóbora caramelada (R$ 76). Pato veio em fatias, tava bem macio, no ponto certo, só um pedaço tinha um nervinho que não deu pra comer. Molho saboroso, intenso. Na descrição do prato eu já tinha achado que abóbora caramelada e purê de banana-da-terra poderiam ser redundantes na doçura, mas pedi assim mesmo, de teimoso que sou. De fato, um dos dois poderia ser deixado de lado. O purê também poderia ter consistência mais suave, tava meio "massudo". Mas no fim o dulçor da banana e abóbora com a intensidade do molho foi uma junção agradável.

"Mais Forte Que a Morte"

"A Noite de Núpcias"

Para finalizar dividimos os profiteroles com sorvete e calda quente de chocolate, em colchão de pralinê e creme de baunilha (R$ 32). Descrição longa, e ainda faltou falar que vem com pedacinhos de morango. Aliás, para mim eles poderiam vir em mais quantidade, para contrastar com a quantidade de chocolate que domina o prato. Não que chocolate seja ruim, longe disso, mas a sobremesa acabou ficando um pouco "monocromática" em sabores. Já em texturas há bastante riqueza, com os profiteroles fofinhos, creme cremoso (dããã) e pralinê crocante - aliás até um pouco duro demais. 

"Histórias Extraordinárias"

Gostamos bastante do serviço, garçom simpático, eficiente mas aberto a algumas brincadeiras (ao ver nosos pratos vazios: "se não esconderam embaixo da mesa, acho que gostaram"), o que é sempre positivo. Foram rápidos em nos transferirem para a varanda assim que uma mesa vagou. O tempo de espera entre os pratos foi perfeito. Só houve alguma demora para limpar a mesa em alguns momentos, mas nada grave. 

Claro que é gostoso comer no lugar onde Brigitte Bardot se hospedou, a alguns metros do quarto em que ela (supostamente) dormia. Mas não foi isso que nos fez decidir que voltaríamos ao Cigalon. A junção de bom serviço, ambiente agradável e boa comida é que foram determinantes. Mesmo que La Bardot hoje esteja frustrada com os rumos que a cidade tomou, achamos que ela aprovaria ao menos a discrição e qualidade do Cigalon. 

Nota: todas as legendas das fotos são nomes de filmes estrelados por Brigitte Bardot. Tá, em alguns não fez tanto sentido, mas outros ficaram perfeitos, não?

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 8,5 e 8,5
Serviço(2): 9 e 8
Entrada(2): 6 e 7
Prato principal(3): 8,5 e 7,5
Sobremesa(2): 7 e 6,5
Custo-benefício(1): 7,5 e 7
Média: 7,83 e 7,45  
Voltaria?: Sim e sim

Serviço:
Rua das Pedras, 199 - Centro - Armação dos Búzios - Rio de Janeiro
Telefone: (22) 2623-0932
Site: https://www.cigalon.com.br/
Facebook: https://www.facebook.com/cigalonrestaurant/