Mostrando postagens com marcador alcachofra. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador alcachofra. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Cascudo (São Roque - SP) - 23/03/2019


Como se pode ver aí acima, o símbolo do Cascudo é um jabuti. Mas a verdadeira inspiração para o nome é o grande estudioso da cultura brasileira, Câmara Cascudo. A busca, expressa no cardápio e no site do restaurante, é por uma gastronomia artesanal brasileira, por isso a inspiração no escritor potiguar. Se o objetivo foi alcançado é coisa que fica para o resto do texto.

Estávamos hospedados no centro de São Roque, e em cerca de quinze minutos chegamos ao Cascudo, alcançado por uma estrada de asfalto em boas condições, mas um tanto quanto "morta" num sábado à noite. Chegamos a imaginar que o caminho estava errado. Mas, de repente, lá estava ele, a placa na fachada não deixava dúvidas. No entanto, algo estava errado. Silêncio e portão fechado não pareciam condizer com um restaurante num sábado à noite. Eram 19h40. Lá dentro dava pra ver alguma movimentação de funcionários. "Ué, será que tá fechado?". Após alguns instantes por ali, começou a chover. "Dá umas buzinadas", me disse a Chris. Obedeci. Pouco depois surge o simpático manobrista. Sim, a casa abriria somente às 20h, ou seja, dali a vinte minutos. Quem mandou não pesquisar antes? Para nossa sorte o rapaz disse que poderíamos entrar antes da hora, e não havia nenhuma réstia de má vontade em seu convite.

"Boa noite, tudo bem? Xô fala, precisa caprichar mais nas fotos, viu?"

Felizmente há muito para ver no Cascudo antes mesmo de se adentrar o salão de serviço. Uma enorme ante-sala, ou ante-salão, serve de boas vindas, repleta de obras de arte, muitas delas de autoria da proprietária do lugar. Essa parte é bem iluminada, tem sofás e mesinhas, que devem ser muito úteis em dias em que o restaurante está cheio. Logo depois está o salão, este já com meia-luz - confesso que "meia" demais pro meu gosto. Mas é um ambiente também bastante agradável, com algumas esculturas, mesas de vários tamanhos e cadeiras estofadas muito confortáveis. O salão é todo envidraçado, e tal escolha não é à toa: a casa está localizada em um ponto privilegiado, com bela vista para as montanhas da região. Estar ali durante o dia deve ser uma bela experiência. Há uma mesa do lado de fora, sob um gazebo, que deve ser disputada a tapa. Foi ali que a Chris deu suas pitadas entre uma etapa e outra da refeição.

A Chris e aquele bocado de coisas pra ver 
Meia-luz demais pro gosto desse chato aí que escreve. Hmpf...

"Puta que pariu, cadê essa mulher?"

Disputada à tapa de dia, mas de noite é só da Chris

O cardápio é repleto de explanações poéticas sobre o conceito e a proposta da casa, além de explicar sobre técnicas de cozimento usadas (como a brasa de lenha no buraco). Todos os pratos tem nomes de artistas, pensadores e personalidades brasileiras (exceto as sobremesas e as opções do menu "Sugestão Sabor Brasil", que veio separado do cardápio principal). Apenas faço uma pequena crítica ao fato de a propalada ideia de uma cozinha artesanal brasileira não se refletir tanto nos ingredientes e pratos. Acabei de reler todo o cardápio e, de maneira geral, não há uma brasilidade escancarada, a não ser alguns elementos aqui e ali. Mas a variedade é grande, entre carnes, peixes, aves e massas, além de pratos infantis.

Escolhemos como entrada a salada de alcachofra com bacalhau (R$ 34), que não tem nome de artista porque estava no cardápio separado. Escolhemos esse prato porque a alcachofra é bastante cultivada na região de São Roque, e queríamos comer algo com ela. Ficamos com medo do bacalhau engolir a alcachofra (figurativamente, claro), mas estava bem equilibrado, suave e muito refrescante. Um molhinho pesto que se escondeu pelas fendas do prato poderia vir em mais quantidade. Mas foi bem satisfatório o começo da comilança.

O bacalhau que não engoliu a alcachofra

Chris escolheu para prato principal a Carolina Maria de Jesus (Escritora 1914-1977, escalope de filé mignon com talharim ao molho de tomate, R$ 64 - assim aparecem todas as descrições do cardápio, com o ofício do homenageado e suas datas de nascimento e morte). A carne da Chris só deu uma relada na frigideira e já veio pro prato - ou seja, do jeito que ela pediu e gosta. Tava bem temperada e macia. O talharim estava no ponto certo, mas o molho que o acompanhava poderia ter um pouco mais de força no tempero. Mas não dá pra dizer que a Chris ficou com "Pedaços de Fome"*.  

Não é lindo, mas satisfaz

Minha escolha foi Machado de Assis (Escritor 1839-1908, pernil de cordeiro ao molho de vinho, arroz, brócolis, batata sautê, banana dorê, R$ 86). Esta é uma das quatro opções do menu com a carne feita na técnica da brasa de lenha no buraco - que segundo a descrição é uma prática que se origina do povo Tupi. Se o objetivo era alcançar maciez, nota dez com louvor: a carne estava desmanchando, literalmente. Textura agradável, molho saboroso, mas que deixava a carne brilhar. Em relação aos acompanhamentos, talvez um certo excesso de elementos, mas estava tudo muito bem feito. Até o brócolis, que costuma vir com gosto de água em restaurantes, estava saboroso e firme. Confesso que estava satisfeitíssimo, mas ainda não era hora de pegar "O Caminho da Porta"*.

A partir de agora, carne só na brasa de lenha no buraco. Se vira.

Comemos nossos pratos todinhos, mas ainda havia espaço para os doces. E nada de compartilhar um só, como fazemos normalmente. Estávamos igual ao Joey de "Friends", sem nenhuma vontade de dividir comida. Eram dez opções de sobremesas, mais três no menu à parte.

Chris estava numa pegada meio Eva, e escolheu a Maçã do Pecado (cozida na calda de laranja e vinho do porto, com calda de chocolate, nozes e sorvete de creme, R$ 25). Chris pecou com gosto: adorou desde a primeira colherada. Curtiu a textura da maçã, a perfeita sintonia entre o chocolate, o vinho e as nozes, e o fato de o nível de açúcar estar perfeito. 

Chris comeu a maçã e não foi expulsa do paraíso

Eu escolhi o pequeno bolo de laranja e chocolate branco com calda de chocolate branco e sorvete de limão (R$ 25). Deveria ter escolhido a Cobra do Adão (mentira, não tinha esse prato). Achei monocromático demais, pra começar, depois achei que faltou acidez (me diz, com educação, o que fazer com as três fatias de laranja que vieram no prato?), e por fim achei que a calda que veio no meio do bolinho tava muito mixa. Nada explodiu na boca, e acabei achando bem mais ou menos.

Afinal, o que fazer com as laranjas?

Desde o simpático manobrista, que nos abriu os portões antes da hora, passando pelos garçons atenciosos e chegando ao músico que tocou boas canções (teve até Beatles!), não há o que reclamar do serviço. Em relação ao tempo de espera entre os pratos, foi tudo bem rápido, mesmo o cardápio dizendo que o restaurante adota a filosofia do Slow Food. Não chegou a ser fast food, mas não teve aquela coisa de acabar o assunto do casal e nada de virem os pratos. Claro, é bom dizer que tivemos atendimento VIP, já que chegamos antes de todo mundo. Mas só podemos julgar nossa experiência, e como não pegamos o restaurante cheio, a impressão foi boa.

Apreciamos quem tenta fazer coisas diferentes. Além de tudo que o cardápio descreve em termos de filosofia, o Cascudo também participa de um projeto social que busca, segundo o site, "dar oportunidade para quem não tem", através de oficinas culturais, artísticas, esportivas e profissionalizantes. Ou seja, não ficam só na palavra, partem para a ação. E além de tudo isso, fazem excelente comida. Ao final da refeição recebemos um folheto para colocarmos nossas sugestões. Escrevi que o principal eles já tem, que é uma cozinha muito bem feita, com bom tempero e técnica. Falta um pouco mais de ousadia e de usar ainda mais ingredientes e técnicas brasileiras. Mas mesmo com o que falta, tudo o que sobra nos fez concordar que voltaríamos ao Cascudo para mais uma experiência. 

* "Pedaços de Fome" e "O Caminho da Porta" são nomes de livros de Carolina Maria de Jesus e Machado de Assis, respectivamente.

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 10 e 9
Serviço(2): 9 e 9
Entrada (2): 7 e 7
Prato principal(3): 7 e 8 
Sobremesa(2): 9 e 6,5
Custo-benefício(1): 8,5 e 8
Média: 8,29 e 7,91
Voltaria?: Sim e sim

Serviço:

Estrada Municipal Darcy Penteado, 3301 – Vila Darcy Penteado - São Roque - São Paulo
Telefone: (11) - 4713-5582
Site: https://restaurantecascudo.com.br/
Facebook: https://pt-br.facebook.com/RestauranteCascudo/
Instagram: @restaurantecascudo

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Donna Pinha (Santo Antônio do Pinhal - SP) - 02/11/2018


O fim do Guia Quatro Rodas foi uma grande tristeza para mim, mas ainda guardo a edição de 2015 (a última que saiu) e a utilizo para muitas coisas. Uma delas é ajudar a escolher um restaurante quando viajamos. Em Santo Antônio do Pinhal me interessei pelo Santa Truta. Tristeza: descobri que ele fechou. Alegria: descobri que ele se juntou ao restaurante Donna Pinha, e eles agora são um só! Minha modesta opinião é que o nome a prevalecer deveria ter sido Santa Truta, mas quem sou eu pra opinar, né? Fato é que na sexta-feira, Dia de Finados, eu e Chris fomos ver o que essa Donna Pinha tinha para nos dar.

"Bora donnapinhar?"

A primeira coisa que ela nos deu foi um ambiente bem iluminado, com luminárias bonitas e uma luz agradável e aconchegante, sem ser aquela coisa cegante nem aquela coisa de não saber nem quem está na sua frente. Ponto positivo também para as cadeiras confortáveis e para o salão espaçoso, contando até com uma árvore na parte de baixo. Na noite de nossa visita havia um músico com violão, que fez um bom trabalho, não incomodou. Não gostamos do fato de o banheiro ficar do lado de fora, "quase em outra cidade", como eu brinquei com a Chris. Também achamos um pouco cafona encher a parede com matérias de jornal falando do próprio restaurante. E pra variar não há do lado de fora nenhum banquinho ou cinzeiro para os fumantes, coisa que a Chris sempre observa. 

Ali atrás a árvore, ao lado o bom músico, e aqui a Chris

O Fê observando o nada, e ao fundo os cabotinos recortes de jornal

O menu das entradas inclui várias receitas com truta (casquinha, linguiça, isca) além de algumas outras opções. Durante nossa visita tava rolando também um festival de alcachofra, que trazia algumas receitas com esse ingrediente. Nossa curiosidade nos levou às casquinhas de alcachofra (R$ 16,80 a unidade). Três opções de recheio disponíveis: truta, queijo de cabra e cogumelos. 

Chris escolheu o recheio de queijo de cabra. Quando o garçom foi anotar o pedido, perguntou "de cogumelos, né?". Então a gente corrigiu dizendo que era de queijo de cabra. Mas não adiantou muito, porque acabou vindo o de cogumelos mesmo. Eles queriam que a Chris comesse esse, e pronto. Daí ela comeu, né? Não que tenha desgostado, mas achou que faltou mais tempero nos cogumelos. E apesar de inicialmente querer o queijo de cabra, ela acabou foi não gostando da crosta de queijo parmesão que veio em cima dos cogumelos e atrapalhou o sabor delicado dos fungos. 

Eu escolhi o recheio de truta. Veio de truta mesmo, legal, menos mal. Gostei, consistência cremosa, bastante sabor do peixe, sem tanta ênfase em temperos - mas considerei isso um ponto positivo. Tive o mesmo problema com a crosta, virou uma massa única, não partia de jeito nenhum. A presença do queijo em cima do recheio deixou nossas casquinhas idênticas, por isso vou colocar apenas uma foto aí abaixo. Apresentação bem bonitinha por sinal, com uma physalis, um limãozinho cravo e uma erva que parecia tomilho. Muito bacana a ideia de servir dentro da alcachofra, pudemos comer a "carninha" das pétalas e o coração da flor ao final.  

"E ao final te arrancarei o coração"

No cardápio de pratos principais, uma página inteira é dedicada às trutas (ah, se eu soubesse então o que sei agora, certamente teria escolhido uma delas). Há também massas, risotos, carnes bovina, suína e ovina, além de opções com frango e avestruz. Muita coisa, o que não costuma ser bom sinal. Quase todos os pratos são individuais, e custam em torno de R$ 60.

Eu sou muito folgado e pedi pra Chris escolher alguma coisa com truta, especialidade do lugar. Chris é muito independente e mandou meu pedido às favas. Mas escolheu um prato com outro ingrediente típico da região: o pinhão. Foi de Medalhão Donna Pinha (mignon grelhado, molho de pinhão, com arroz negro e batata sautée, R$ 68,80). Ela pediu a carne mal passada, e o ponto veio perfeito. Além disso estava muito bem temperada. Pena que o molho veio por cima dela, então toda aquela crosta do grelhado desapareceu. O molho, aliás, estava bom, mas bastante neutro, sem muita personalidade. Chris ficou fula mesmo foi com o arroz negro, que ela adora. Além de ter passado demais do ponto, estava com pouco sabor e veio com a mesma infame crosta de queijo, que nesse caso virou um "massaroco" duro que não deu pra comer. 

O arroz negro ainda não se juntou pra atrapalhar
Agora ele chegou, trazendo seu amigo queijo pra zuar o bagulho


Eu resolvi inovar e escolher uma proteína que não é muito comum encontrar em restaurantes: carne de avestruz. Escolhi o avestruz ao parfum de framboesa (grelhado e flambado, com molho de amora, R$ 69,80). A tristeza começou na chegada: o molho encharcava tudo, inclusive a carne, como aconteceu no prato da Chris. Por cima da carne um pedaço de queijo, nem gratinado nem derretido, como uma massa amorfa. A descrição do prato dizia molho de amora, mas vieram outras frutas vermelhas (framboesa e morango) além de, pasmem, o que parecia ser cereja artificial, aquela mesma feita de chuchu (é sério). Os legumes estavam ligeiramente duros, e não tinham muito tempero. A carne estava seca. E o sabor do molho, que poderia salvar tudo, era terrível. Acidez extrema e até um pouco de amargor deixaram o prato difícil de digerir. Chris experimentou e disse "algo deu muito errado aqui". Para não dizer que nada se salvou, o arroz branco que acompanhava estava bom. Triste este parágrafo. Não colho nenhum prazer em falar mal dos lugares que visitamos. Mas devo dizer que nos 55 restaurantes que estão nesse blog até hoje, e nos tantos que visitamos antes de começarmos a escrever, esse foi o pior prato principal que já comi. Indubitavelmente.  

É...bem...então...como tá o tempo?

Essa cara é de quem não comeu e não gostou

Escolhemos uma das sobremesas do festival de alcachofra (embora não contivesse alcachofra). Foi o bolo de lavanda e limão siciliano com calda de papoula e sorvete de creme, R$ 22,80). A calda me pareceu ser de hibisco, que também é chamado de papoula em alguns lugares. Apresentação bem bacana, com uma colherzinha charmosa contendo a calda. Bolo macio, bem aromático, com um pouco de acidez do limão. Um pouco seco sozinho, mas combinado com o sorvete e com o molho ganhava novas texturas. O molho trazia um certo dulçor frutado interessante. O bolo poderia estar um pouco mais quentinho, pra trazer aquele contraste de temperatura de um petit gateau, inspiração óbvia para a sobremesa. 

Essa foto meio oblíqua, cês gostaram?

Uma das coisas mais positivas sobre o serviço certamente foi a grande quantidade de garçons sempre à vista com suas roupas vermelhas. Apesar disso, em alguns momentos era um pouco complicado conseguir a atenção de um deles. Houve o erro já citado em relação à entrada da Chris, que certamente pesou contra. Também estranhamos o fato de terminarmos nossa cerveja e não nos terem oferecido outra (não queríamos mesmo, tá?). Mas de maneira geral os jovens funcionários demonstraram atenção e cuidado. 

É possível alegar que não fizemos as melhores escolhas diante da quantidade de opções do cardápio. Mas ao mesmo tempo é difícil ser condescendente com isso, já que tudo que está disponível tem que ser bem feito. Por isso sempre preferimos menus mais enxutos - embora isso não seja uma garantia de qualidade, é um bom indicativo de que há critério para se colocar algo à disposição dos clientes. E o fato é que meu prato principal foi o principal responsável por ambos termos decidido que não retornaríamos ao Donna Pinha. Apesar de alguns acertos tanto nas entradas quanto no prato da Chris e na sobremesa, não é razoável que um restaurante sirva aquilo que me foi servido. Com o perdão pelo excesso de morbidez, no Dia de Finados esse prato representou a morte das expectativas que nós nutríamos com o restaurante indicado pelo falecido Guia Quatro Rodas.

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 6 e 8
Serviço(2): 7,5 e 7
Entrada(2): 6 e 7,5
Prato principal(3): 6,5 e 2
Sobremesa(2): 8 e 7
Custo-benefício(1): 6,5 e 5
Média: 6,75 e 5,83
Voltaria?: Não e não

Serviço:
Avenida Antônio Joaquim de Oliveira, 647 – Centro - Santo Antônio do Pinhal - São Paulo
Telefone: (12) 3666-2669
Site: http://donnapinha.com.br/
Facebook: https://pt-br.facebook.com/DonnaPinha/

domingo, 29 de novembro de 2015

Il Vicoletto (São José dos Campos - SP) - 25/11/2015

Ruela ou beco. Esta é a tradução em português para vicoletto, palavra italiana. A tranquila Rua Ipiranga, onde fica o restaurante Il Vicoletto, pode não ser exatamente um beco, mas é calma e pequena o suficiente para compreendermos o nome dado ao estabelecimento. Fica em um dos trechos mais arborizados e serenos do agitado bairro da Vila Ema. É bem escondidinho, como um tesouro bem guardado.

La facciata

Chegamos às 19h30 e já havia bastante gente por lá. Fizemos reserva, que não chega a ser imprescindível, mas é recomendável. No decorrer da noite o lugar ficou bem cheio. A fachada é bem discreta, assim como a decoração no interior. Mesas e cadeiras de madeira, estas últimas estofadas, proporcionando um bom conforto. Chama a atenção o enorme espelho em uma das paredes, dando uma sensação de profundidade. Para dar um ar rústico, a parede tem "falhas" para que os tijolinhos laranjas fiquem à vista. A cozinha fica atrás de uma parede envidraçada, então é possível aos curiosos observar a movimentação lá dentro. Não gostamos muito da aparência física do cardápio, que carecia de um pouquinho mais de charme e beleza. Era mais condizente com uma cantina, e não com alta gastronomia, como era o caso. Há também um certo problema em relação aos banheiros do restaurante. O espaço é exíguo e limitado a uma pessoa por gênero, e o lavatório é de uso comum, e bastante apertado.  

Chris e o espelhão

Fê e os tijolinhos à vista

Para iniciar os trabalhos, pedimos de entrada o carciofi toscana (R$ 34). Não sabe o que é? Explico. Alcachofra italiana, cogumelos frescos e crosta especial gratinada. A tal crosta especial parecia feita de pão de fôrma torrado, bem crocante. Seja lá do que fosse, estava tudo uma delícia. Acho que "matamos" tudo em uns cinco minutos, porque não conseguíamos parar de comer. Tudo era saboroso, mesmo quando experimentado em separado, coisa que fizemos com todos os ingredientes. Além de sabor, muita textura. Se dá para colocar um porém, é o fato de ser muito grande para uma entrada. Mas não nos fizemos de rogado e acabamos com tudo.

Il antipasto

Depois da maravilhosa entrada, já ficamos ressabiados. Já aconteceu algumas vezes a "maldição" da entrada, quando nos refestelamos com ela, e o prato principal fez "fóin fóin fóin fóin". Mas o prenúncio era bom: apenas oito opções de pratos principais. Gosto disso, significa que a cozinha não tenta abraçar o mundo, e se foca no que sabe fazer. Aliás, com bebidas, entradas, principais e sobremesa, todo o cardápio do restaurante se resume a uma página! Ah, se todos fossem assim. Há também uma lousa, dessas mesmo de escola, onde há algumas opções extras de pratos principais, provavelmente cambiáveis de acordo com o dia, onde os chefs se permitem alguns testes. Havia um gnocchi, por exemplo, que segundo o chef Adolfo Pierantoni tinha sido testado na noite anterior pela primeira vez, pelos próprio funcionários.

Agora é só mangiare

Chris escolheu uma das opções fixas do cardápio, o riso venere di mare (risoto de arroz negro com frutos do mar grelhados, R$ 94). Os frutos do mar eram lula, polvo, camarão e robalo, mas Chris pediu para tirar os dois primeiros, que não são de seu agrado. Seu pedido foi gentilmente aceito pelo chef, que para compensar caprichou nos camarões. Mas desconfio que se viesse só o arroz ela já ficaria satisfeita. Assim como na entrada, todos os itens estavam muito saborosos, de comer gemendo desde a primeira garfada (sim, ela fez isso!). Apresentação bem convencional, mas quantidades perfeitas, com os frutos do mar e o arroz "terminando" ao mesmo tempo. Eu sou famoso na família por ser o "encontrador" de espinhas, e não foi diferente mesmo em um restaurante tão chique. Chris me deu uma garfada, e claro que eu achei uma maledeta e pequenina, o que certamente não é o esperado, tampouco o desejado. Mas podemos dizer que eu salvei a Chris, e a experiência dela se manteve próxima à perfeição.

Nada de moluscos para a Chris, só crustáceos e peixe

Eu escolhi uma opção da lousa, estudioso que sou. Foi o cordeiro com cogumelos e risoto de açafrão (R$ 87). Já tinha comido risoto de açafrão em nossa visita ao Confraria do Sabor, em Campos do Jordão. Mas a impressão é que era a primeira vez que eu comia um risoto de açafrão, com todo o respeito ao Confraria - onde coincidentemente a combinação também era com cordeiro. Aqui no Il Vicoletto, muito sabor, além do cozimento perfeito do arroz. A carne de cordeiro também estava ótima em consistência e gosto, combinando muito bem com o risoto. Uma pena que a proporção não era perfeita, e o risoto acabou "sobrando" no prato depois de terminado o cordeiro. Mas as aspas no "sobrando" são merecidas, porque eu comi o risoto todinho, mesmo sem cordeiro para acompanhar. Uma delícia. Meu final de refeição foi até engraçado, porque a Chris tinha deixado um cadinho da comida dela no prato, e eu comecei a misturar os restos dela com os meus, ficando tudo uma zona. Mas uma zona das boas.

Tem um tomatinho querendo fugir

Se para os pratos principais as opções são enxutas, para as sobremesas o conceito é radicalizado: apenas três opções. São elas creme brulée, pannacotta e torre il vicoletto (bolachas crocantes de amêndoas com mousses de chocolate branco e amargo). Duas tradicionais (uma francesa e uma italiana) e uma mais inventiva. Fomos na tradição italiana e escolhemos a pannacotta Il Vicoletto (R$ 26). O cardápio acrescenta "com calda do dia" à descrição do prato. No nosso dia era calda de maracujá com frutas vermelhas. Embora a pannacotta estivesse muito melhor do que a outra que experimentamos lá no Barba Negra em Florianópolis, a calda acabou sobressaindo em demasia. Maracujá é sempre um problema sério para se trabalhar, por ser forte demais. Mas certamente não foi uma experiência desagradável. E serviu para descobrirmos a consistência perfeita de uma pannacotta, que não é a mesma de uma gelatina. É mais firme, e consegue ser macia sem derreter na boca ao primeiro toque.

Não era ruim, mas não acompanhou a excelência 

O restaurante tem uma carta de vinhos, que acabamos nem abrindo, porque resolvemos tomar cerveja mesmo. E foi apenas questão de gosto, não de economia, como será provado. A casa trabalha com a Cervejaria Dortmund, com sede na cidade de Serra Negra (SP). Combinando com a "enxutez" do resto do cardápio, há apenas três opções de estilos: IPA (que no dia de nossa visita estava substituída por uma red ale), pilsen e witbier. Acompanhamos a entrada com a pilsen Pils (R$ 28) e os pratos principais com a witbier Schloss (R$ 26). Ambas muito bem feitas e muito saborosas, com destaque para a deliciosa witbier.

O serviço é conduzido com propriedade (literalmente!) pelo sócio e chef Adolfo Pierantoni. Ele vem à mesa, fala alto e gesticula como bom italiano, e dá um ar genuíno à experiência. Por vezes pode ser que você esteja querendo conversar tranquilamente, e ele estará falando alto ao seu lado. Mas faz parte da imersão italiana. O garçom que nos atendeu também entedia tudo do cardápio, dando informações com segurança e se mostrando presente mesmo com o restaurante bem cheio. Tivemos problema com a entrada, que nos pareceu ter demorado mais do que deveria. E também com a retirada das louças e talheres da mesma entrada, quando saímos para a Chris fumar, voltamos, ainda fomos ao banheiro, voltamos à mesa, e eles permaneciam lá.

Ao final, tudo se resume ao sabor. Nos importamos com estéticas e belezas, com serviços e simpatias, com banheiros e milongas, mas o mais importante é o sabor. E o Il Vicoletto tem sabor de sobra. Ainda mais importante: tudo no Il Vicoletto é muito bem temperado, mas as individualidades de cada ingrediente não se perdem. Sabemos que estamos diante de uma alcachofra bem temperada, de um cordeiro bem temperado, de um arroz bem temperado. Isso é raro de se encontrar, esta perfeita harmonia entre um bom tempero e o gosto de cada elemento.

Por tudo isso, eu e Chris concordamos enfaticamente que voltaríamos ao Il Vicoletto. Eu cheguei até a sugerir que fôssemos uma vez por mês, até esgotarmos todos os pratos principais, e aí começarmos a repetí-los. Mas não temos cacife para tanto. Por enquanto nos contentamos com a memória de uma noite maravilhosa, e com a promessa de voltarmos assim que possível.

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 7 e 7,5
Serviço(2): 7 e 8
Entrada(2): 9 e 9
Prato principal(3): 9 e 9
Sobremesa(2): 7 e 7
Custo-benefício(1): 7,5 e 7,5
Média: 7,87 e 8,12
Voltaria?: Sim e sim

Serviço:
Rua Ipiranga, 143 - Vila Ema - São José dos Campos - SP
Telefone: (12) 3913-1408
Facebook: https://www.facebook.com/IlVicolettoBrasil/?fref=ts