segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Quintal do Gui (Atibaia - SP) - 29/11/2024

 

Nossa chegada ao Quintal do Gui foi curiosa. Estávamos hospedados no centro de Atibaia, e colocamos o aplicativo Waze para nos levar ao restaurante. O caminho é pela Alameda Prof. Lucas Nogueira Garcez, uma via bem movimentada, repleta de restaurantes e bares. De repente viramos em uma rua e fomos parar em uma área bem residencial, tranquila, nem parecia estar perto do pedaço mais agitado da cidade. Pois é ali que está o Quintal do Gui, que não tem esse nome à toa: ele fica realmente no quintal de uma residência.
 
Os dois vultos são a Chris e o Fê

Claro que não é qualquer quintal. É um quintal com paisagismo todo caprichado e cuidado em cada detalhe. Tinha até uma romãzeira, o famoso pé de romã, que eu acabei de pesquisar pra saber como escrever. Algumas mesas ficam no gramado, ao lado da piscina. Há também um ambiente interno, climatizado, mas que não fica nada a dever em termos de bom gosto. Mas claro que não tivemos dúvidas em instalarmo-nos em uma das mesas do gramado, que tem muito mais a nossa cara (tá, o fato de a Chris poder fumar ali também ajudou na escolha).

"Instalarmo-nos" foi foda, hein?

Praticamente uma pool party

O cara nasceu pra ser modelo

Percebam o charme, a naturalidade do gesto, tocando na romã

Sem afetação, como que flutuando, postura incrível


O restaurante não possui cardápio físico, apenas virtual, acessado por QR Code. Então não vá até lá sem seu celular (sim, claro, senhor Fê, se você não escrevesse isso todo mundo iria lá sem celular). O cardápio é bem recheado de opções. Entre as entradas, estão alguns clássicos como brusqueta (quatro unidades, R$ 59) e steak tartar (R$71), mas também algumas opções de bolinhos crocantes (cinco unidades, R$ 56). Existem algumas saladas disponíveis, e entre os principais, uma divisão entre "Peixes & Frutos do Mar", "Carnes" e "Massas & Risotos", com preços que vão de R$ 59 (fettuccine alla Norma) a R$ 114 (risotto alla carbonara e gamberi) para os pratos individuais. Existem dois pratos que servem duas pessoas, o Camarão da Roça (R$ 229, camarões flambados na cachaça com arroz de alho e queijo gratinado) e a merluza à belle meuniere (R$ 191, merluza com camarões e alcaparras, com arroz de alho e fritas).

Acho um pouco estranho quando vamos a um restaurante mais chiquetezado como esse e encontramos bolinhos crocantes como opção de entrada (isso já tinha acontecido no Paraguassu, em Mucugê). Nada contra os bolinhos - inclusive os pedimos aqui também - mas sempre acho que isso é algo que combina mais com um bom bar, ou gastrobar, como tá na moda dizer. Ressalva feita, de entrada fomos de Bolinho do Quintal & Relish de Cebola (cinco unidades de bolinho com recheio de purê de batata, calabresa, cenoura e muçarela, com relish de cebola roxa, R$ 56). Apresentação bonita, bolinhos com uma cor linda, e o relish tanto por cima quanto por baixo dos degustes, sem miséria. No sabor o purê entrou mais pra dar consistência, a calabresa pra dar sabor e a cenoura  pra gastar cenoura à toa, tadinha dela, sumiu. O relish (que é um tipo um chutney mais pedaçudo) estava bem saboroso, trazendo um pouco de dulçor e acidez, equilibrando a gordura da fritura. 

Relish parece a Chris falando "reles"

Chris ficou muito, muito, muito tentada a pedir como prato principal o Risotto de Pinhão, Bacon & Café (R$ 65). Seria uma loucura, hein? Mas ela acabou lembrando de outras escolhas malucas que já fez, em que acabou se dando mal, e preferiu ir para o Salmão ao Champagne & Risotto Siciliano (posta de salmão ao molho branco de champagne, finalizado com amêndoas laminadas, servido com risoto de limão siciliano, R$ 97). A Chris tem duas "maldições" em nossas visitas a restaurantes: carne fora do ponto e risoto fora do ponto. Aqui aconteceu uma delas, o risoto tava tipo papinha - mas com bastante sabor e aroma de limão siciliano, bem refrescante. O molho de champagne estava gostoso, mas acabou se espalhando demais pelo arroz, e se tornou dominante. O peixe estava correto, douradinho por fora, bem macio por dentro. Belo toque das lâminas de amêndoas, trazendo crocância. A garfada completa era muito agradável. Infelizemente nas garfadas finais apareceram três espinhas, isso mesmo, uma, duas, três espinhas de salmão, que certamente não deveriam estar ali. Aí azedou a marmita de vez, como diz o outro.
 
Não deveriam, mas estão aí escondidas, as três danadas

Também fiquei com vontade de pedir alguns outros pratos, mas a verdade é que não precisei de muito tempo para me decidir pelo Lombo de Cordeiro À Turca (lombo de cordeiro ao molho de romã servido com purê de berinjela e finalizado com queijo feta de cabra e gergelim, R$ 112). Primeira coisa a elogiar é a proporção perfeita entre a proteína e o acompanhamento (aliás, o elogio vale pro prato da Chris também). Relendo a descrição do cardápio, me pergunto: onde foi parar o queijo feta? Na hora não me dei conta, mas acho que ele não se apresentou à mesa. Talvez eu não tenha me dado conta porque o purê de berinjela estava absolutamente delicioso, com ótima textura, muito saboroso, complementado pelo molho de romã que o deixava sempre molhadinho (ui!), e acrescentava complexidade ao conjunto. Veja que passei a carroça do purê na frente dos bois do cordeiro, porque foi realmente o destaque do prato. O cordeiro estava com uma aparência linda, e muito bem temperado, mas a gordura estava com uma textura incomível, de tal modo que tive que realizar um regurgito, infelizmente (para mim e para você que teve que ler essa palavra horrível). Depois passei a comer apenas a carne, deixando a gordura de lado. 

Prurido. Furúnculo. Sovaco. Estrovenga. Mais palavras feias pra vocês.

Entre as parcas cinco opções de sobremesa, três eram bolos. Bolo, assim tipo bolo mesmo, daqueles que a gente acha nas padarias. Aqui não entra juízo de valor sobre a qualidade do bolo, até porque não comemos, mas é isso, um pedaço de bolo por vinte e oito reais (tinha de cenoura e chocolate, de banana e caramelo e de limão siciliano com calda de blueberry). Sei lá, me parece que dá pra ousar um pouco mais no quesito sobremesa, sabe? As outras opções eram um Romeu & Julieta meio reinventado (com goiabada, cream cheese e sorvete, R$25) e a Panna Cotta Pinacolada (panna cotta com base de coco ralado e leite de coco, com cobertura de abacaxi em pedaços flambados no rum, R$ 28). Foi essa última que escolhemos, e estava muito refrescante, com a panna cotta em ótima textura e bastante sabor de coco, combinando muito bem com o abacaxi flambado, trazendo muito sutilmente o sabor do rum. É possível que o bolo de cenoura com chocolate fosse melhor, mas já comemos quinhentos na vida. A panna cotta fazendo releitura de um drink famoso talvez não seja a maior invenção da humanidade, provavelmente nem foi criada pelo restaurante, mas ao menos é algo menos batido. E, me alongando um pouco mais no fio, nada contra os batidos, às vezes o que a gente quer é só um bom pudim de leite condensado, e pronto. Mas acho legal ter opções menos com cara de deja vu. E vou parar de escrever, senão alguém vai rimar alguma coisa com deja vu pra me xingar - e com sotaque francês ainda por cima.

Va te faire enculer

Quando chegamos ao Quintal do Gui, havia no ar aquela possibilidade de chuva. O jovem garçom nos deixou à vontade para sentarmos do lado de fora, mas fez essa consideração. O restaurante estava bem vazio, e eu e Chris comentamos que parecia que ele queria que a gente sentasse lá dentro, onde seria mais fácil de nos servir, e por isso nos ameaçou com a ira de São Pedro. Mas o rapaz foi tão atencioso a noite inteira, que descartamos essa possibilidade. Simpático, transitou muito bem entre a informalidade, com comentários espirituosos, e o rigor da função. Só em alguns momentos houve alguma demora pra perceber que estávamos precisando dele. Os pedidos podiam ser feitos tanto pelo celular quanto pessoalmente, e os dois funcionaram direitinho. Faltou guardanapo à mesa, algo que só fui perceber quando fiz o meu regurgito (aquela palavra feia de novo) da gordura do cordeiro. Os pratos todos chegaram em um tempo bastante razoável, sem longas demoras.

Já é a segunda vez que comemos em um quintal (ver aqui), e mais uma vez foi uma experiência bem interessante, embora deveras diferente da outra. Aqui a decoração e o paisagismos falam mais alto, e consideramos uma pena que, em uma noite de sexta-feira, apenas nós dois e mais um casal tenha comparecido. Chegamos por volta das sete da noite e fomos embora perto das nove, então pode ser que alguém mais ainda chegasse. De qualquer modo, acho que o restaurante merece mais. Apesar de entender que o cardápio possa ter um pouco mais de coerência, especialmente em relação a entradas e sobremesas, é inegável que a experiência completa no Quintal do Gui é assaz agradável. Eu e Chris voltaríamos a esse quintal., mesmo com espinhas e palavras feias.

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 8 e 9
Serviço(2): 9 e 8
Entrada (2): 7 e 6,5
Prato principal(3): 5,5 e 8
Sobremesa(2): 7 e 6,5
Custo-benefício(1): 7 e 7,5
Média: 7,12 e 7,62
Voltaria?: Sim e sim

Serviço:

Alameda Lindóia, 139 - Jardim do Lago - Atibaia - São Paulo
Telefone: (11) 96050-5646
Site: https://www.quintaldogui.com.br/
Instagram: @quintaldogui_atibaia

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Flor de Mandacaru (Petrolina - PE) - 18/09/2024

 

    É bastante raro eu e Chris almoçarmos quando estamos viajando. A gente come uma coisinha aqui, outra ali, mas aquela coisa de parar e bater um prato a gente não costuma fazer, pelo motivo único de que a preguicite aguda que nos acomete após a comilança atrapalha o passeio. Mas abrimos uma exceção para o Flor de Mandacaru. Por quê? Porque ele era o restaurante que mais aparecia em todas as pesquisas prévias de "onde comer em Petrolina", recomendadíssimo em tudo que é lugar. Mas ele ainda não tinha a nossa recomendação, que, convenhamos, é a mais importante de todas. 
 
Chegando pra bater um prato

    O restaurante fica afastado do circuito turístico da cidade. Chegamos por lá perto do meio dia, no intenso calor do semi-árido pernambucano. Existe um ambiente climatizado, mas preferimos ficar na primeira mesa do lado de fora, pra facilitar a saída da Chris pra dar suas pitadas, e também porque é bem melhor ficar ao ar livre. O ventinho que batia foi suficiente para o refresco.
 
Na primeira mesa pra fugir sem pagar a conta

Mentira, gente, queisso, somos honestos, era só pra Chris fumar

    O restaurante tem uma decoração muito caprichada, com altas doses de charmosidade e nordestinidade, repleto de pequenos detalhes que a gente vai captando aos poucos enquanto esperamos entre um prato e outro. Ficamos no corredor, que tem paredes cheias de artesanato de um lado e imitando uma casa de taipa do outro, e na parte do fundo há mais mesas, algumas delas embaixo de uma árvore. A parte interna, climatizada, é menos charmosa, mas também conta com alguns móveis antigos, e até o corredor para o banheiro abriga alguns quadros e mais doses de charmosidade. Melhor do que eu ficar escrevendo é você ver algumas das trocentas fotos que tiramos do lugar:

Difícil dizer quem é mais charmoso

Aqui não é tão difícil dizer quem é mais charmoso

Tudo trabalhado na delicadeza

Mas o Pinóquio achou que era demais pra ele

A taipa e a gata

Um mesão pra família inteira embadárvore

E até pra ir ao banheiro você não se livra das charmosidades

    O cardápio também é todo trabalhado nas gravuras com temas do sertão. Todo esse cuidado parece supérfluo, mas acrescenta muito à experiência. Ninguém gosta de coisa feia, né? Bom, talvez a Chris goste. Entre as opções de entradas, são vários petiscos para compartilhar (dadinhos de tapioca, moela, sarapatel, torresmo), que partem de R$ 25,90 (batata frita) podendo chegar até R$ 64,90 (petisco de bode). Para os pratos principais o menu é dividido entre "Novidades", "Regionais" e "Peixes", com pratos sempre para duas ou três pessoas, partindo de R$ 65,90 (salada Velho Chico) até R$ 174,90 (moqueca de camarão). Também existe uma opção de menu-degustação, com doze etapas, mas que precisa ser reservado com antecedência (R$ 159,00 para uma pessoa). 
 
    Pois bem, finalmente chegou a hora de comer. Para petiscar ficamos em dúvida entre algumas opções, mas acabamos optando pelo bolinho de cari (R$ 43,90). Para quem não sabe - como nós não sabíamos - o cari é um peixe muito comum no Rio São Francisco (às margens do qual se situa Petrolina), uma espécie de peixe cascudo, parecido com um bagre. Foi servido com limão, molho de pimenta e uma maionesinha. O bolinho estava crocante por fora, cremoso por dentro, e com um sabor bem intenso do peixe, que é saborosíssimo. Vieram oito bolinhos, de modo que não tivemos que nos estapear, cada um comeu seus quatro de direito. 
 
Caro cari, comemos com contentamento
 
    A escolha do prato principal foi um pouco mais complexa. Em geral os restaurantes em que vamos e que entram no blog tem opções de pratos individuais. No Flor de Mandacaru nós tivemos que fazer uma terapia de casal, e nos livrar daquilo que nos aparta para encontrar aquilo que nos une. Mas não foi tão difícil, porque muitas coisas nos unem. Por exemplo, uma Tilápia Ao Molho De Limão (filé de tilápia grelhada com molho de limão, picles de mostarda e tomate confitado, com arroz de coco e salada, R$ 129,90). 
    Vou começar pelo que foi negativo: achei a salada sem inspiração e desnecessária; poderia vir mais tomate confit; Chris achou o arroz de coco muito adocicado (eu achei que era essa a intenção mesmo); poderia vir mais picles de mostarda. Sobre essa última consideração, cabe um adendo: comentei com uma garçonete (que acho que era uma espécie de gerente) que não tinha visto o picles, e ela disse que estava no meio do molho. Um pouco depois ela apareceu com uma molheira só com o picles, pra gente colocar do jeito que a gente quisesse. Achei uma boa atitude, e até acho que o prato deveria ser servido assim, com o picles à parte. Falando sobre a tilápia, estava muito saborosa (mas não muito crocante, talvez o molho de limão também pudesse ser à parte), com o molho trazendo a acidez do limão no ponto certo, bem equilibrado. Casou muito bem com o arroz de coco.

Encontrando o que nos une

No prato pra vocês verem mais de perto

    Para a sobremesa não foi precisa fazer terapia de casal, porque a gente escolheu duas: o Doce de Coroa de Frade (R$ 18) e a Manga Com Sorvete de Rapadura (R$ 22). Ambos comemos dos dois degustes, de modo que nossas notas de sobremesa se referem a uma média entre as duas. Vamos começar pelo Doce de Coroa de Frade. Repito o que disse sobre o cari: se você não sabe o que é - como nós não sabíamos - o Coroa de Frade é um cacto, muito comum na caatinga, usado para fins medicinais, mas também para fazer doces. O restaurante tem um vaso dele, que estava ao lado da nossa mesa.
 
O nome é porque parece a carequinha de um frade ali em cima

    Apesar de inusitado, o doce acaba se parecendo bastante com uma cocada, pelo uso do açúcar queimado. Não conseguimos sentir especificamente o gosto do cacto. O sabor era bom, embora o caramelo estivesse bem intenso, quase no limite do amargor.

Desgostoso não era, mas não encantou

     A outra sobremesa, a manga com sorvete de rapadura, foi bem mais recompensadora para nossos paladares. O sorvete estava muito agradável - apesar de ser de rapadura, não tinha dulçor excessivo - e os pedaços de manga que vinham juntos na colherada acrescentavam frescor e o sabor maravilhoso da fruta. Quando a sobremesa chegou em nossa mesa havia alguns clientes indo embora, e eles ficaram encantados com o visual. Eu diria que ficaram invejosos, inclusive. Mas era tudo nosso!

Tira o zóio!

    O atendimento do restaurante acompanha a excelência da decoração. É quase personalizado, mesmo com tantas mesas. Inclusive, quando fizemos um pedido a uma pessoa diferente daquela que estava nos atendendo, a nossa garçonete original ficou "enciumada", e nos disse que quando precisássemos de alguma coisa era só chamá-la. Muito conhecedora do cardápio, Cida nos deu boas dicas, explicou sobre os ingredientes e esteve sempre atenta. Além de Cida havia outra funcionária, já citada, que parecia a gerente, extremamente atenta, e que foi quem nos trouxe o picles de mostarda à parte. Em relação ao tempo de espera entre os pratos, foi bastante satisfatório, não chegando a demorar mas também não parecendo um McDonald´s.

    "Quando for a Petrolina/ A negócios ou a passeio/ Não deixe de visitar/ O restaurante do meio/ Ambiente, construído/ Por quem entende de asseio". Essa é uma das estrofes de um poema de Chico Pedrosa Galvão, que está no cardápio do Flor de Mandacaru. A dica de Chico é também a nossa dica: se for a Petrolina, visite o Flor de Mandacaru. Nós, se voltarmos à cidade, certamente repetiremos a dose. Sempre focando naquilo que nos une, nunca no que nos aparta. É uma boa dica de vida, que o Flor de Mandacaru ensina na prática.


AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 9 e 9
Serviço(2): 8 e 9
Entrada (2): 7 e 7,5
Prato principal(3): 8 e 7
Sobremesa(2): 8 e 7
Custo-benefício(1): 8 e 8
Média: 8 e 7,83
Voltaria?: Sim e sim

Serviço:

R. das Ameixas, 155 - COHAB São Francisco - Petrolina - Pernambuco
Telefone: (87) 3863-7607
Site: https://restauranteflordemandacaru.com.br
Instagram: @restauranteflordemandacaru

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Insólito Gastrobar (São José dos Campos - SP) - 18/06/2024

 

    Contrário ao costume. Inabitual. Incomum. Extraordinário. Essas são algumas das definições do dicionário para a palavra "insólito". Não parece um nome ruim para um gastrobar, um tipo de empreendimento que não é muito comum em São José dos Campos. A essência de um gastrobar, como o nome indica, é unir um ambiente de bar, mais informal e irreverente, com petiscos e pratos mais elaborados e criativos, que não são comumente encontrados em bares. Foi para essa missão insólita que Chris e eu nos rumamos em uma noite fresca de terça-feira - com a adição luxuosa de meu irmão Carlos, vulgo Cazaugusto, vulgo Boto, que se juntou a nós.
 
Família Vulgo: Vulgo Boto, Vulgo Fê e Vulgo Chris
 
    O cuidado na decoração já chama a atenção do lado de fora, com o belo e criativo logo do bar desenhado em uma parede, ao lado de mesinhas, uma bela árvore e a frase "O incomum em cada detalhe". Do lado de dentro um primeiro salão com o balcão do bar, uma estante com diversas garrafas coloridas, e muito uso de tijolinho à vista, pra dar aquele toque vintage da moda. Também há um corredor lateral, coberto, com algumas mesas. Indo para os fundos do restaurante encontramos mais alguns elementos de decoração antigos, como telefones e televisores, além de uma prateleira cheia de CDs (pois é, CDs já são considerados peças de museu). Para finalizar, uma grande área aberta na parte de trás do restaurante, com diversas mesas de tamanhos e alturas diferentes. Em um cantinho, quase imperceptível, o elemento mais insólito da decoração: um orelhão. Importante lembrar aos fumantes: tanto nas mesinhas da frente como na parte aberta ao fundo é permitido fumar. Chris ficou saltitante com essa informação.

É muito capricho, né não?

Taças, tijolos à vista, garrafas coloridas

Mais um pouco de tijolinhos à vista e o corredor lateral
 
Peças de museu (não o Boto, que é peça de rio)
 
Tem aquecedor, mas só um trouxa foi de camiseta curta

Um orelhão é insólito o suficiente pra você?

    Como se trata de um gastrobar, convém escrever brevemente sobre as bebelanças disponíveis no local. De cerveja eles estão muito bem servidos, já que trabalham com toda a linha de chopp da Cervejaria Bamberg (que é boa pacacete). Para os drinks são diversas opções, quase todas clássicas, não existem muitas invenções (algo que eu acho que poderia ser melhor trabalhado). A casa tem parceria com os Alquimistas da Serra, uma destilaria artesanal de São Francisco Xavier. Segundo nos foi informado, em breve eles vão começar a fazer as destilações no próprio local. Durante nossa estada tomamos alguns chopps (média de R$ 14 o de 300ml e R$ 19 o de 500ml), um Bloody Mary (bonito, gostoso e picante, R$ 30) e um drink sem álcool chamado Manguito Sour (bem refrescante, com diversas frutas e espuma de gengibre, R$ 23).

"Bonito, gostoso e picante" (that´s what she said)

O roxinho são gotas da flor Clitorea Ternatea (serião memo)

Pessoas iluminadas

    Como é de se esperar em um gastrobar, o cardápio é bem curto. A maior parte das opções fica na seção "Entradas e Petiscos", recheada de coisas bem apetitosas. Não há nada assim muuuito insólito, mas existem algumas coisas não tão comuns, como o "Cocktail de camarão" (R$ 49) e o "Bolinho de abóbora kabocha com gorgonzola e molho de laranja e mel" (5 unidades, R$ 28). Optamos por escolher três entradas diferentes, para dividirmos entre nós (as notas finais são uma média de nossa apreciação das três). 

    Nossas escolhas foram: pastel de camarão com molho vinagrete (4 unidades, R$ 34), bolinho de bacalhau com geléia de abacaxi com pimenta (6 unidades, R$ 36) e o ceviche havaiano (tilápia marinada na vodka aromatizada com mix de limões, manga e especiarias, R$ 32). Todas as porções são muito bem servidas e condizentes com o preço. Pastéis muito bem recheados (tipo uns 10 camarões dentro de cada), com massa bem crocante e o vinagrete ajudando a elevar o sabor - mas o recheio poderia ser mais cremoso, com algo para "unir" os camarões. Os bolinhos de bacalhau estavam gostosos, embora eu tenha achado que faltou um pouco de bacalhau no recheio. Mas a massa tava bem crocante por fora (uns dois vieram um pouco queimadinhos), com o recheio bem cremoso por dentro. Achei a geléia de pimenta um tanto sem graça, faltou picância. O ceviche havaiano estava bem refrescante, muito saboroso, com acidez na medida, e acho que foi o preferido de todos.

Um chopps e quatro pastel

Bolinho de bacalhau pra quem não gosta muito de bacalhau

É um belo bocado de ceviche

    Fora da seção de "Entradas e Petiscos" temos saladas, pratos principais, caldinhos, vegetarianos e alguns hambúrgueres. Entre os pratos principais são seis opções, e acho que é onde reside o principal problema do Insólito: nada faz jus ao nome do lugar ou ao que se espera de um gastrobar. São opções bastante comuns, clichês mesmo, sem nada de insólitas.

    Chris escolheu o Filé Insólito (risoto de cogumelos, filé mignon e molho rôti, R$ 77). Apresentação bonita, com o filé no meio do prato, sobre o risoto, com o molho bem escuro por cima. Já perdi a conta de quantas vezes escrevi isso aqui no blog desde 2014, mas vamos lá de novo: o ponto da carne da Chris veio errado. Ela pediu mal passado e veio ao ponto. Mas ela comeu todo o filé com o molho. O grande problema estava no risoto, que ficou quase todo no prato. Estava com um sabor forte de álcool e muita acidez. Provavelmente usaram muito vinho, ou não deixaram o vinho evaporar. Um desastre.

A viola estava bela, mas o pão...

    Eu mandei ver um Medalhão do Chef (filé mignon com batata bolinha, tomate confit, alecrim e arroz de amêndoas, R$ 75). Coloquei nos parênteses a descrição do cardápio, mas as amêndoas ficaram nas amendoeiras, não chegaram ao prato. Em termos estéticos não tava lá muito bonito, um tanto amontoado. O meu filé veio ao ponto, que foi o ponto que eu pedi mesmo. Batatinhas ok (um pouco salgadas), tomate razoável, arroz legal. Uma boa comida, mas longe de valer os setenta e cinco mangos cobrados.

As amêndoas não vieram, e quem veio não disse a que veio

    Meu irmão estava lá pra comer, beber e se divertir, sem analisar porra nenhuma, como ele mesmo disse. Mas ele mandou dizer que o risoto de camarão tava bom, mas ele faria melhor, e que a couve crispy não tava crispyzada, tava xoxa. 
 
Ninguém há de reclamar da falta de camarões
 
    São apenas três opções de sobremesa, todas clássicas, mas com um toque diferente. A gente queria o Choco Gin (mousse de chocolate meio amargo e gin envelhecido, R$ 22), mas estava em falta. Ficamos com o Papaya Dream (creme de papaya com vermute artesanal, R$ 22). O creme tava quase no ponto de sorvete, e tava bem sem gracinha. As sobremesas são outro quesito em que o Insólito tem que dar uma "insolitada", não adianta só colocar um vermute artesanal numa sobremesa clássica e achar que tá resolvido. Inclusive a sobremesa funciona melhor com o clássico licor de cassis do que com o vermute.
 
Nhé

    O restaurante estava bem vazio, só havia mais uma mesa ocupada. O serviço todo foi feito por apenas um garçom. No quesito simpatia a nota é dez com louvor. Conversador, risonho, conhecedor do cardápio, falou até de assuntos alheios ao restaurante. Mas por vezes dava uma sumida, e também demorava um pouco para retirar os pratos em cada etapa da refeição. Outro problema do serviço, esse sem relação com o garçom, é que os pratos principais demoraram um pouco além do razoável para chegarem.

    Importante deixar claro uma coisa: nós queremos vida longa ao Insólito. São José carece de mais lugares como esse, que tentam fazer alguma coisa diferente, anormal, incomum, extraordinária. Mas não é fácil chegar a esses adjetivos. Com pouco mais de três meses de vida, acho que o Insólito ainda está tateando sua verdadeira vocação. Em nossa humilde opinião, para continuar como um gastrobar, ou seja, um lugar onde se pode fazer uma refeição completa, é preciso melhorar as opções e as preparações dos pratos principais e das sobremesas. Porque os diversos ambientes, o atendimento descolado, a decoração criativa, os petiscos gostosos e as boas bebidas certamente nos fariam voltar novamente ao lugar. Mas para uma noite de bar. Não de gastrobar.     

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 8,5 e 9
Serviço(2): 6,5 e 6,5
Entrada (2): 8 e 7,5
Prato principal(3): 4 e 5
Sobremesa(2): 4 e 5
Custo-benefício(1): 5 e 6
Média: 5,91 e 6,41
Voltaria?: Sim e sim (pra botecar!)

Serviço:

Av. Anchieta, 149 - Jardim Nova America - São José dos Campos - São Paulo
Telefone: (12) 99783-4244
Instagram: @insolito.br

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Osteria Limoncello (Vinhedo - SP) - 24/05/2024

 

    Fomos ao Osteria Limoncello em uma noite de sexta-feira razoavelmente fria para mim e muito fria para a Chris. No caminho até o restaurante, comentei "onde estão esses vinhedenses?". A cidade estava tranquila, com poucos carros nas ruas. Tínhamos passado o dia no Hopi Hari e estávamos bem cansados, por isso saímos um pouco mais tarde do que nosso normal. Ao chegarmos ao local, quase não conseguimos lugar, estava bem cheio. Então descobrimos: as pessoas já estavam instaladas em seus restaurantes/bares/lanchonetes. Nós é que estávamos meio atrasados.

"Opa, será que ainda dá pra gente rangar aí?"

    A Osteria fica em uma região bem tranquila, e a primeira coisa que gostamos foi da facilidade de parar o carro. Há um amplo estacionamento ao lado do restaurante, bem iluminado e sem burocracias como cancelas, portões, manobristas. É chegar e parar.

Chegar e parar, conforme foi escrito

    A fachada parece mais de uma residência, o que combina com o conceito de osteria, que originalmente eram restaurantes familiares na Itália (hoje o conceito mudou um pouco). Há uma mesinha do lado de fora, que seria nossa escolha óbvia, não fosse o razoável frio ("muito frio!", berra uma Chris imaginária no meu ouvido). Ao adentrar o salão principal o visitante se depara com um lindo fogão amarelo, com cara de vintage. As mesas disponíveis nesse primeiro salão estavam reservadas, por isso fomos para o segundo salão, mais nos fundos do restaurante. Ali a decoração não é tão caprichada, mas o lugar é assaz agradável. Como ele fica meio no alto, dá pra ver a cozinha em funcionamento lá embaixo, já que as paredes são todas de vidro. Outro ponto positivo é que a temperatura estava perfeita. 

"Muito frio!", berra a Chris de verdade

Lindo fogão amarelo com cara de vintage, não é?

"Assaz agradável", disse o escriba pernóstico

A cozinha está lá embaixo, nós aqui em cima

    As divisões do cardápio são bem italianas, como não poderia deixar de ser. Temos os antipasti e as entrati (pô, nem precisa traduzir, né?). Curiosamente, logo depois estão listados os dolci della tradizione, ou seja, as sobremesas, que normalmente ficam lá pro final do menu. Depois existem várias opções de pasta, risotti e gnocchi (massa, risoto e nhoque) e em seguida os piatti, que são considerados os pratos principais, que sempre trazem uma proteína animal (embora eu não entenda como é possível bater uma massa e depois ainda comer um outro prato). Finalizando ainda existem algumas "Sugestões da semana", que imagino serem pratos que não fazem parte do cardápio fixo.

    Como uma boa osteria, a carta de vinhos é bem fornida. Mas não estávamos com vontade de tomar vinho (tradução: estávamos pobres e não queríamos pagar os três dígitos que custavam cada vinho, no mínimo). Por sorte a casa oferecia uma boa gama de cervejas, algo não muito comum - geralmente é Heineken, Stella Artois e olhe lá. Eles tinham quase toda a linha da Cervejaria Leopoldina, com cervejas de diversos estilos. Tomamos uma Session IPA (R$ 28,00, 500ml) que combinou muito bem como nossos dois pratos - sugestão do sommelier esse mesmo aqui que vos escreve.

    De entrati escolhemos a bruschetta di carciofi (alcachofra, mostarda Dijon, rúcula no pão de azeite da casa, R$ 40). Apresentação farta, sem economizar no recheio. As folhas que vieram picadas não pareciam de rúcula, e sim de couve. De qualquer maneira, combinaram bem com o parmesão. O tempero estava mais neutro, o que não foi considerado um defeito, já que a alcachofra tem sabor delicado - e tinha alguns pedaços com um tostadinho agradável. O pão não estava tão crocante, mas também não estava molenga, o que facilitava na hora de cortar. Pena que nós dois encontramos alguns pedaços mais firmes da alcachofra, daqueles incomíveis mesmo, de ter que tirar da boca disfarçadamente pra não ficar feio.

De falta de recheio não dá pra reclamar

    Chris escolheu um prato da seção de massas, o ravioli de brie e camarões (massa fresca recheada de brie, servida na manteiga de sálvia, tâmara, castanha do Pará e camarões médios grelhados, R$ 103). Ela ficou com muita dúvida do que escolher, mas eu achei que esse prato era a cara dela, e dei uma forcinha para ela escolhê-lo. Mas eu não sabia que viria frio. Sim, essa foi a principal crítica da Chris: o prato estava frio. Mas a combinação de sabores era realmente interessante, com os pedacinhos de tâmara e a castanha entregando dulçor, contrastando com a picância e leve amargor do brie, com a manteiga de sálvia trazendo untuosidade. E camarão, né, que segunda a Chris "até gelado é bom". 

Se tivesse um microondas na mesa a Chris butava um minutinho

    Eu não resisti ao chamado da guancia veneziana (bochecha suína assada por seis horas em seu molho, servido com polenta bergamasca, R$ 99). Não entendi muito bem a apresentação, veio um prato com a guancia e molho e um outro prato com a polenta. Por que não servir empratado, meu Brasil? A guancia também veio morna-quase-fria, à semelhança do prato da Chris. O único elemento realmente quente era a polenta. Meu prato era o único que estava adjetivado no cardápio: "extremamento magra, macia e saborosa", dizia o texto, se referindo à guancia. De fato a carne estava "extremamente" desmanchando, de fato era "extremamente" magra, mas não sei se usaria o termo "extremamente" para me referir ao sabor, que era bom, sim, especialmente o molho, mas não extremamente bom. A polenta estava boa, com textura legal. Proporção errada, muita polenta pra pouco porco e pouco molho. 

Ajuda o pai, pô, emprata o trem

Fê fez o serviço, e ficou bonito, hein?

    Já que os pratos principais vieram frios, resolvemos pedir para a sobremesa o gelato de gorgonzola (sorvete de gorgonzola servido com figo Ramy da casa e nozes, R$ 42). A calda do figo Ramy se assemelha muito a melaço, e com o tempo pode se tornar um pouco enjoativa. Mas o fato é que eu pirei demais nos sabores inusitados da combinação do sorvete de gorgonzola, e a tradicional picância e salgado do queijo, com o figo e sua calda. As nozes tinham mais o propósito de trazer crocância às mordidas. Chris gostou menos que eu, e fui obrigado a comer boa parte da sobremesa sozinho. Tadinho de mim.

Quem vê mal sabe a loucura que é isso aí

    Quando fomos instalados nos fundos do restaurante já pensamos "xi, hoje vai ser daqueles dias em que o garçom dá umas sumidas". Mas que nada, não ficava nem um minuto sem aparecer alguém, e o serviço foi bem atencioso - até porque haviam outras mesas ocupadas junto com a gente. Só demoraram um pouco pra tirar nossos pratos da entrada. Não é daquele tipo de serviço muito "conversadeiro", mas os funcionários eram simpáticos na medida certa. Estranhamos um pouco a mesa sem toalha nem nada. Nossa mesa era de madeira e tava um pouquinho desgastada, quase uma mesa vintage - só que não.

    "O futuro importa, mas o presente deve ser saboreado". Essa bela frase está no site do Osteria Limoncello. Concordamos bastante com ela. E seria injusto dizer que não saboreamos boas coisas no restaurante. O que ocorreu, principalmente, foi frustração, porque nós adoramos o cardápio, e ficamos muito indecisos sobre o que pedir, justamente porque várias coisas nos chamaram a atenção. Mas algumas falhas em nossos pratos principais, somadas aos preços não muito convidativos, nos fizeram concluir que não voltaríamos ao Osteria Limoncello. O futuro importa e o presente deve ser saboreado na temperatura certa.

AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):

Ambiente(2): 7 e 7,5
Serviço(2): 7 e 7
Entrada (2): 6 e 6
Prato principal(3): 6 e 6,5
Sobremesa(2): 6 e 8
Custo-benefício(1): 5 e 6
Média: 6,25 e 6,87
Voltaria?: Não e não

Serviço:

Av. Ana Lombardi Gasparini, 215 - Represa 1 - Vinhedo - São Paulo
Telefone:  (19) 4040-4514
Site: https://osterialimoncello.com/
Facebook: @osterialimoncello
Instagram: @osterialimoncello