Como se pode ver aí acima, o símbolo do Cascudo é um jabuti. Mas a verdadeira inspiração para o nome é o grande estudioso da cultura brasileira, Câmara Cascudo. A busca, expressa no cardápio e no site do restaurante, é por uma gastronomia artesanal brasileira, por isso a inspiração no escritor potiguar. Se o objetivo foi alcançado é coisa que fica para o resto do texto.
Estávamos hospedados no centro de São Roque, e em cerca de quinze minutos chegamos ao Cascudo, alcançado por uma estrada de asfalto em boas condições, mas um tanto quanto "morta" num sábado à noite. Chegamos a imaginar que o caminho estava errado. Mas, de repente, lá estava ele, a placa na fachada não deixava dúvidas. No entanto, algo estava errado. Silêncio e portão fechado não pareciam condizer com um restaurante num sábado à noite. Eram 19h40. Lá dentro dava pra ver alguma movimentação de funcionários. "Ué, será que tá fechado?". Após alguns instantes por ali, começou a chover. "Dá umas buzinadas", me disse a Chris. Obedeci. Pouco depois surge o simpático manobrista. Sim, a casa abriria somente às 20h, ou seja, dali a vinte minutos. Quem mandou não pesquisar antes? Para nossa sorte o rapaz disse que poderíamos entrar antes da hora, e não havia nenhuma réstia de má vontade em seu convite.
"Boa noite, tudo bem? Xô fala, precisa caprichar mais nas fotos, viu?" |
Felizmente há muito para ver no Cascudo antes mesmo de se adentrar o salão de serviço. Uma enorme ante-sala, ou ante-salão, serve de boas vindas, repleta de obras de arte, muitas delas de autoria da proprietária do lugar. Essa parte é bem iluminada, tem sofás e mesinhas, que devem ser muito úteis em dias em que o restaurante está cheio. Logo depois está o salão, este já com meia-luz - confesso que "meia" demais pro meu gosto. Mas é um ambiente também bastante agradável, com algumas esculturas, mesas de vários tamanhos e cadeiras estofadas muito confortáveis. O salão é todo envidraçado, e tal escolha não é à toa: a casa está localizada em um ponto privilegiado, com bela vista para as montanhas da região. Estar ali durante o dia deve ser uma bela experiência. Há uma mesa do lado de fora, sob um gazebo, que deve ser disputada a tapa. Foi ali que a Chris deu suas pitadas entre uma etapa e outra da refeição.
A Chris e aquele bocado de coisas pra ver |
Meia-luz demais pro gosto desse chato aí que escreve. Hmpf... |
"Puta que pariu, cadê essa mulher?" |
Disputada à tapa de dia, mas de noite é só da Chris |
O cardápio é repleto de explanações poéticas sobre o conceito e a proposta da casa, além de explicar sobre técnicas de cozimento usadas (como a brasa de lenha no buraco). Todos os pratos tem nomes de artistas, pensadores e personalidades brasileiras (exceto as sobremesas e as opções do menu "Sugestão Sabor Brasil", que veio separado do cardápio principal). Apenas faço uma pequena crítica ao fato de a propalada ideia de uma cozinha artesanal brasileira não se refletir tanto nos ingredientes e pratos. Acabei de reler todo o cardápio e, de maneira geral, não há uma brasilidade escancarada, a não ser alguns elementos aqui e ali. Mas a variedade é grande, entre carnes, peixes, aves e massas, além de pratos infantis.
Escolhemos como entrada a salada de alcachofra com bacalhau (R$ 34), que não tem nome de artista porque estava no cardápio separado. Escolhemos esse prato porque a alcachofra é bastante cultivada na região de São Roque, e queríamos comer algo com ela. Ficamos com medo do bacalhau engolir a alcachofra (figurativamente, claro), mas estava bem equilibrado, suave e muito refrescante. Um molhinho pesto que se escondeu pelas fendas do prato poderia vir em mais quantidade. Mas foi bem satisfatório o começo da comilança.
O bacalhau que não engoliu a alcachofra |
Chris escolheu para prato principal a Carolina Maria de Jesus (Escritora 1914-1977, escalope de filé mignon com talharim ao molho de tomate, R$ 64 - assim aparecem todas as descrições do cardápio, com o ofício do homenageado e suas datas de nascimento e morte). A carne da Chris só deu uma relada na frigideira e já veio pro prato - ou seja, do jeito que ela pediu e gosta. Tava bem temperada e macia. O talharim estava no ponto certo, mas o molho que o acompanhava poderia ter um pouco mais de força no tempero. Mas não dá pra dizer que a Chris ficou com "Pedaços de Fome"*.
Não é lindo, mas satisfaz |
Minha escolha foi Machado de Assis (Escritor 1839-1908, pernil de cordeiro ao molho de vinho, arroz, brócolis, batata sautê, banana dorê, R$ 86). Esta é uma das quatro opções do menu com a carne feita na técnica da brasa de lenha no buraco - que segundo a descrição é uma prática que se origina do povo Tupi. Se o objetivo era alcançar maciez, nota dez com louvor: a carne estava desmanchando, literalmente. Textura agradável, molho saboroso, mas que deixava a carne brilhar. Em relação aos acompanhamentos, talvez um certo excesso de elementos, mas estava tudo muito bem feito. Até o brócolis, que costuma vir com gosto de água em restaurantes, estava saboroso e firme. Confesso que estava satisfeitíssimo, mas ainda não era hora de pegar "O Caminho da Porta"*.
A partir de agora, carne só na brasa de lenha no buraco. Se vira. |
Comemos nossos pratos todinhos, mas ainda havia espaço para os doces. E nada de compartilhar um só, como fazemos normalmente. Estávamos igual ao Joey de "Friends", sem nenhuma vontade de dividir comida. Eram dez opções de sobremesas, mais três no menu à parte.
Chris estava numa pegada meio Eva, e escolheu a Maçã do Pecado (cozida na calda de laranja e vinho do porto, com calda de chocolate, nozes e sorvete de creme, R$ 25). Chris pecou com gosto: adorou desde a primeira colherada. Curtiu a textura da maçã, a perfeita sintonia entre o chocolate, o vinho e as nozes, e o fato de o nível de açúcar estar perfeito.
Chris comeu a maçã e não foi expulsa do paraíso |
Eu escolhi o pequeno bolo de laranja e chocolate branco com calda de chocolate branco e sorvete de limão (R$ 25). Deveria ter escolhido a Cobra do Adão (mentira, não tinha esse prato). Achei monocromático demais, pra começar, depois achei que faltou acidez (me diz, com educação, o que fazer com as três fatias de laranja que vieram no prato?), e por fim achei que a calda que veio no meio do bolinho tava muito mixa. Nada explodiu na boca, e acabei achando bem mais ou menos.
Afinal, o que fazer com as laranjas? |
Desde o simpático manobrista, que nos abriu os portões antes da hora, passando pelos garçons atenciosos e chegando ao músico que tocou boas canções (teve até Beatles!), não há o que reclamar do serviço. Em relação ao tempo de espera entre os pratos, foi tudo bem rápido, mesmo o cardápio dizendo que o restaurante adota a filosofia do Slow Food. Não chegou a ser fast food, mas não teve aquela coisa de acabar o assunto do casal e nada de virem os pratos. Claro, é bom dizer que tivemos atendimento VIP, já que chegamos antes de todo mundo. Mas só podemos julgar nossa experiência, e como não pegamos o restaurante cheio, a impressão foi boa.
Apreciamos quem tenta fazer coisas diferentes. Além de tudo que o cardápio descreve em termos de filosofia, o Cascudo também participa de um projeto social que busca, segundo o site, "dar oportunidade para quem não tem", através de oficinas culturais, artísticas, esportivas e profissionalizantes. Ou seja, não ficam só na palavra, partem para a ação. E além de tudo isso, fazem excelente comida. Ao final da refeição recebemos um folheto para colocarmos nossas sugestões. Escrevi que o principal eles já tem, que é uma cozinha muito bem feita, com bom tempero e técnica. Falta um pouco mais de ousadia e de usar ainda mais ingredientes e técnicas brasileiras. Mas mesmo com o que falta, tudo o que sobra nos fez concordar que voltaríamos ao Cascudo para mais uma experiência.
* "Pedaços de Fome" e "O Caminho da Porta" são nomes de livros de Carolina Maria de Jesus e Machado de Assis, respectivamente.
AVALIAÇÕES (Primeira nota da Chris, segunda nota do Fê; ao lado do quesito está o peso dele na média final):
Ambiente(2): 10 e 9
Serviço(2): 9 e 9
Entrada (2): 7 e 7
Prato principal(3): 7 e 8
Sobremesa(2): 9 e 6,5
Custo-benefício(1): 8,5 e 8
Média: 8,29 e 7,91
Voltaria?: Sim e sim
Serviço:
Estrada Municipal Darcy Penteado, 3301 – Vila Darcy Penteado - São Roque - São Paulo
Telefone: (11) - 4713-5582
Site: https://restaurantecascudo.com.br/
Facebook: https://pt-br.facebook.com/RestauranteCascudo/
Instagram: @restaurantecascudo
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